Já ando com este nó na garganta há dias. Desde o Sábado, quando acordei e fui tratar das minhas rotinas diárias. As notícias fazem parte, não tivesse eu estudado jornalismo, e não fosse desde criança uma devoradora de informação.
Quem de vocês não ficou chocado, mexido, desconsertado com com a morte do estudante Marlon? Quem não ficou sem entender, sem compreender...como chegamos a isto? Há um, entre alguns, orgulhos em Portugal: a segurança. Este sentimento de que somos pacíficos foi completamente desenraizado quando soubemos desta morte trágica. Principalmente, porque esteve dentro de um contexto tão familiar, tão nosso. A Queima da Fitas. Quem de vocês imaginou que pudéssemos, todos nós, qualquer um de nós, estar sujeitos a tal violência?
Eu, como muitos de vocês sabem, não sou portuguesa. Sou brasileira, e para mim, tragédias destas não são novidade. Vim estudar, e encontrei aqui a minha casa, o meu amor. E fiquei. E até que não dê mais, estou aqui, na terra que escolhi por paixão. A Queima, para mim, é um dos grandes retratos da minha história. Enquanto estudante, fui à todas. Sorri, brinquei, pulei e festejei. Sempre sem olhar para os lados ou para atrás, afinal...estamos em Portugal, e não há -ou havia- bons motivos para desconfiar da minha segurança.
Estou a criar a minha familia aqui, e mais que isto, estou a criar o meu tesouro: a M. Sempre senti conforto em pensar que a qualquer hora do dia ou da noite, estamos seguros. Nunca me preocupei realmente, embora desconfiar de tudo faça parte da formação e vivência que tive em outro lugar. O lugar em que eu nasci e cresci. Criar a minha filha aqui foi sempre um dos maiores motivos para fazer crescer as minhas raízes fora de "casa". Mas de repente, sinto-me abalada. Sinto que não há preto no branco, e que seguros mesmo, só estamos dentro do nosso ninho. Repentinamente, voltei a sentir-me neurótica com a questão da segurança pública, e já nem me lembrava deste sentimento de impotência social.
Quando cheguei aqui, lembro que das maiores alegrias que tinha era a de poder andar por aí...de metro, autocarro...com relógio, câmara fotógráfica e qualquer jóia que quisesse. Lembro de fazer passeios sozinha, a caminhar pela rua, sentindo toda a liberdade que deveria ser de todos, por direito. Em qualquer parte do globo. Lembro de ser uma menina a andar na chuva, cantarolando, de braços soltos. Livre, livre, livre.
Não digo que isto tenha deixado de ser possível. Só digo que ficou o alerta. Um alerta a não ser ignorado. O alerta de que há gente por aí disposta a tudo, até mesmo a matar. Matar por nada, matar por pouco. Gente sem educação, sem respeito, sem medo. Gente que pensa não ter grande coisa a perder. Gente que põe lenços na cara, veste um capuz, e entra a atirar. Gente que vai contra a nossa gente. Pessoas de bem, felizes e com futuro. Gente como eu, como você. Gente como os bebés que carregamos. Assusta-me tanto! Mete medo o mundo em que estamos, e o Portugal que está a nascer, fruto de uma sociedade em desespero e sem base. Descuidada por anos, e esquecida agora. Uma nação que começa a criar monstros, e que ainda não se deu conta de que tragédias como a do Marlon, são o início de algo muito mal. Não é um caso à parte. Não é apenas mais um. É um começo. E é muito grave.
Só peço a Deus que estes "encapuzados", traidores de tudo em que acreditamos, sejam apanhados e punidos. Com urgência. Não se ceifam sonhos assim...
Quanto aos que fortalecem o festejo continuado, e o luto esquecido...tenho pena, muita pena. Pela forma como se constroem, como olham para o outro, como passam ao lado de qualquer sentimento que não seja o deles. Aborrece-me aqueles que surgem na TV, a pregar que a vida continua...que a semana académica deve ser ininterrupta. Que vestem a máscara negra da irresponsabilidade social, trazendo nas suas capas a ignorância...a culpa de ser estupidamente jovem, apenas por escolha. Aborrece-me ver jovens assim.
Quanto a nós, mães e pais...resta-nos calçar os sapatos daquela família, e clamar por justiça. Clamar pelo Portugal que queremos, e que batalhamos para ter.
Eu...ahhhh...eu não quero um mundo sem amor. Não quero mais Marlons e mais fulanos "festejantes" na TV. Quero uma nova geração comprometida com o lado social. E esta geração...são os nossos filhos. Está aí a nossa grande tarefa.
Um grande e forte abraço à família do Marlon,
e a todos os amigos que estiveram com ele na vida e na morte.
Que texto lindo...Beijinho
ResponderExcluirObrigada, querida! <3
ResponderExcluirBeijo grande
Um lindo texto com realidade e a falar implicitamente da esperança. Pois, eu sei que há alguns anos Portugal poderia ser esperança. Agora, temos de lutar por um Portugal que continue a ser esperança e no qual se possa sonha com um "final feliz" para toda família. Teus textos são um respirar...
ResponderExcluirAchei o texto de uma profundidade de quem sabe que o ser humano seja ele quem for merece respeito. Sinto com mágoa que a sociedade de hoje está muito virada para o ter e não para o ser . Estamos a fazer das nossas crianças e jovens seres pouco atentos aos outros e egoistas que fazem tudo para levarem a melhor sobre o outro.
ResponderExcluirTemos de os ajudar pela nossa educação e exemplo a serem pessoas diferentes.
L.A.